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DELSON UCHÔA, MARUJO DE LUZ

 

 No Canto II de A Divina Comédia, Dante narra o momento em que, ao sair do Inferno, ainda na praia do Purgatório na companhia de Virgílio, viu uma luz resplandecente saindo da água: era um anjo que conduzia ao porto as almas recém-chegadas da Terra. O poeta Jorge de Lima faz alusão a este mesmo personagem no Canto I de A invenção de Orfeu, batizado de “Fundação da Ilha”. Nos dois livros, o anjo-marujo não usa nem velas, nem remos: a balsa ganha prumo com suas asas e é movimentada pela força de sua luz. Delson Uchôa é um leitor das duas histórias. Conterrâneo do alagoano Jorge de Lima, o pintor deu o nome de Dante a um de seus filhos. Ao olhar para o conjunto de seus trabalhos recentes, talvez consigamos enxergar o brilho desta criatura ao mesmo tempo alada e submarina, uma presença encantada que nos permite navegar no rio que banha mundos distintos. 

 

Uma fluidez própria da água aparece de maneira direta ou indireta em todas as grandes pinturas expostas nesta mostra. Outro ponto em comum é a noção de trânsito, de uma imagem ou mensagem que é conduzida de um espaço-tempo para outro, buscando novas configurações e experiências. Há ainda a sobreposição: camadas de tinta e de cor que se acomodam umas sobre as outras e se incomodam, criando planos e horizontes para desvendar. Nos dois trabalhos mais antigos, Oceano e Equinócio, ambos de 2012, é possível ver duas abordagens distintas e igualmente potentes dessas questões. 

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